Racismo Ambiental em Belém do Pará e os Desafios Colocados pela COP30

Por Raissa Pimentel Costa

In: Artigos

O debate sobre racismo ambiental tornou-se central para compreender como as injustiças socioambientais se distribuem no Brasil, especialmente na Amazônia urbana. O conceito, popularizado no país por autores como Robert Bullard e por movimentos negros e indígenas, refere-se à prática sistemática pela qual grupos, sobretudo populações negras, indígenas, ribeirinhas e periféricas são mais expostos a riscos ambientais e têm menor acesso a proteção, infraestrutura e políticas públicas. Em Belém do Pará, cidade-sede da COP30, essas desigualdades tornam-se particularmente visíveis, não apenas pela posição estratégica na Amazônia, mas também por uma história de urbanização marcada por profundas exclusões territoriais. Nesse contexto, a realização da conferência climática internacional pode tanto ampliar o debate quanto evidenciar ainda mais as fragilidades sociais e ambientais já existentes no território.

Belém é marcada por um processo histórico de ocupação desigual que acompanha a própria formação da Amazônia urbana. Desde o período da borracha até os ciclos migratórios mais recentes, a expansão da cidade ocorreu de maneira desordenada, empurrando populações pobres, majoritariamente negras, para as periferias, áreas de várzea, baixadas e margens de rios e igarapés regiões que ainda hoje carecem de políticas de infraestrutura e saneamento. Como resultado, bairros periféricos densamente povoados, como Guamá, Jurunas, Terra Firme, Benguí e Tapanã, convivem com a ausência de drenagem, saneamento básico e a constante falta de água, evidenciando como os territórios periféricos e a desigualdade caminham juntos.

Esse quadro se manifesta em problemas concretos e persistentes: Belém figura entre as capitais brasileiras com menor cobertura de saneamento básico, especialmente no tratamento de esgoto. Além disso, a gestão de resíduos sólidos revela outra dimensão do racismo ambiental, pois comunidades vulneráveis frequentemente convivem com depósitos irregulares de lixo, triagem informal e contaminação de solos e águas. Em uma capital cercada por 42 ilhas, populações tradicionais de áreas como Combu, Cotijuba, Mosqueiro e Ilha das Onças enfrentam pressões do turismo e de empreendimentos privados, ao mesmo tempo em que carecem de políticas de proteção territorial e ambiental que garantam seus modos de vida. Persistem ainda desafios relacionados ao acesso à água potável e à coleta de resíduos sólidos, evidenciando o distanciamento entre Belém e os padrões mínimos de justiça socioambiental.

A geografia das vulnerabilidades em Belém revela a face urbana do racismo ambiental: onde moram os mais pobres também se concentram os maiores riscos climáticos e ambientais. Um retrato disso é uma das obras realizadas para a COP30, que expôs de forma evidente o racismo ambiental na cidade: a construção da Estação Elevatória de Esgotamento da Doca em uma das comunidades mais antigas, a Vila da Barca, localizada às margens da Baía do Guajará. Da noite para o dia, os moradores descobriram que a rede de esgoto da avenida Visconde de Souza Franco (a Doca), área nobre de Belém onde estava sendo construído um parque linear, seria direcionada para o terreno de um casarão abandonado e de um antigo campo de futebol na comunidade.

Os moradores logo notaram o fluxo intenso de caçambas e carretas na área e, posteriormente, o isolamento dos terrenos com tapumes onde se lia “Estação Elevatória de Esgotamento da Doca”. A comunidade se mobilizou e interditou a entrada dos caminhões, questionando a falta de diálogo do governo e exigindo a realização de uma audiência pública. No dia da audiência, um dos primeiros questionamentos feitos ao secretário de obras foi se a comunidade também seria incluída no projeto de esgotamento; a resposta, como se imaginava, foi um sonoro “não”. Após intensa mobilização entre moradores, lideranças comunitárias e a Associação de Moradores com o caso ganhando repercussão para além da mídia local, em 11 de julho de 2025 eles obtiveram vitória com a concessão de um mandado de segurança coletivo que interrompeu as obras.

A realização da COP30 em Belém colocou a cidade em evidência internacional e pode impulsionar melhorias urbanas em áreas como saneamento, mobilidade e adaptação climática. Entretanto, a pressão por obras rápidas estimula a concentração de investimentos em áreas turísticas, deixando as periferias de fora, além de gerar gentrificação, aumento do custo de vida e deslocamento de populações pobres, uma das formas de racismo ambiental. Há ainda o risco do greenwashing, com ações superficiais que não enfrentam problemas estruturais. Assim, embora a COP30 represente uma oportunidade de transformação, seus efeitos positivos dependem de um processo verdadeiramente democrático, com centralidade das periferias e das populações negras, indígenas, ribeirinhas e dos movimentos sociais que historicamente denunciam as desigualdades socioambientais em Belém.

Raissa Pimentel Costa é graduada em Ciências Sociais e História, educadora popular, professora e coordenadora da Rede Confluências de Cursinhos Populares em Belém, coordenadora regional do projeto EntreVistas: pesquisa e formação crítica com juventudes periféricas na era da (des) informação.

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